sábado, 3 de abril de 2010

Lennon lives!


Sei que sou uma pessoa absolutamente suspeita por falar algo sobre John Lennon.
Aliás, sei que sou absolutamente suspeita por falar sobre tudo, pois quem é contra o governo, a Globo, a constituição e o Papa, é completamente suspeito.
Mas isso realmente não importa, já que afinal de contas eu não tenho voz. Como quase todos aqueles que criticam o chamado “sistema”, eu sou muda. E por isso eu deveria estar triste, desapontada e cética ao ver esse filme. Mas não. Eu estou feliz!
Vou elogiar muito o filme e recomendar várias vezes, embora eu tenha quase certeza de que ninguém que eu conheço tem o menor interesse em vê-lo.
Mas eu estou feliz! Primeiro, porque fizeram um filme sobre o meu ídolo. Segundo, porque existiu alguém como ele, diga-se de passagem, palpável e visível. E mesmo que venha a ser o único, valeu a pena! Estou feliz porque o filme mexeu comigo, fez com que eu me sentisse alienada e impotente para lutar contra aquilo que eu acredito que está errado. E eu estou feliz por me sentir assim. Por me sentir constrangida. Eu me constranjo!
Eu me constranjo com um governo que constrói o seu império livre de critica e oposição na base de mentiras, escândalos, esmolas, promessas vãs e pessoas perigosamente manipuláveis. Eu me constranjo com artistas limitados, sem talentos, sem opiniões e sem ousadia que povoam a maioria dos meios de comunicação aos quais a nossa população tem acesso. Eu me constranjo com comediantes sem graça que só fazem piadas idiotas sobre temas previsíveis na sua zona de conforto, sem engajamento, sem provocação, sem ironia e, logicamente, sem humor. Eu me constranjo em ver passeatas contra o direito dos homossexuais, discursos hipócritas na mídia e proibição da verdade nas novelas, a maior fonte de "informação" e "cultura" da nossa população. Eu me constranjo quando vejo um bando de ociosos manipulados em frente a um tribunal para ver réus pré-condenados pela mídia e que, com certeza, não passarão nem 10 anos na cadeia por um crime hediondo, como assassinar a própria filha, porque vivem num país sem lei. O mesmo país em que 150 milhões de votos são dados para um boçal (big-bosta) ganhar mais de R$ 1 mi na Globo, mas um quinto desses votos não é dado em forma de assinatura num abaixo-assinado para um ativista como, por exemplo, o Sr. Masataka Ota, conseguir que a lei seja mudada e seja concedida prisão perpétua agrícola para os condenados por aqueles tais crimes hediondos.
Eu me constranjo ao comemorar a realização das Olimpíadas numa cidade dominada pelo tráfico de drogas e completamente sem estrutura, pois o dinheiro dos investimentos para tal evento será desviado para bolsos de políticos corruptos, aqueles nos quais a população vota sem o menor conhecimento sobre sua origem ou seus feitos, especialmente os seus “mal feitos”. E eu me constranjo em saber que nesta guerra civil morrem tantos inocentes quanto morreram alguns soldados americanos e civis no Vietnã. E ela é “aceita” pela nossa sociedade, inclusive por alguns artistas “engajados” que vão nas favelas dominadas pelos tais senhores da guerra para promover a sua “arte”.
Eu fico feliz que houve um dia um artista com voz, coragem e opinião, que usou da sua popularidade e notoriedade para algum movimento útil, que influenciou a percepção de diversas pessoas e chamou-as para a reflexão tão necessária para a sobrevivência da democracia e da genuína liberdade de expressão.
Imagine aqui no Brasil a Ivete Sangalo ou o Roberto Carlos criticando o Sr. Lula por estreitar relações com um ditador, assassino e covarde, como o Sr. Mahmoud Ahmadinejad? Imagine!
Imagine artistas se posicionando de verdade em relação aos mais diversos temas como as cotas nas universidades, a re-reeleição, a lei seca, a fidelidade partidária e blá-blá-blá-sei-mais-o-quê!
Imaginou? Imaginou? Não, né? Eu nem consigo imaginar artistas atualmente... Deve ser por isso que todos os meus ídolos estão teoricamente mortos. Teoricamente, porque ontem fui ao cinema e vi que um deles ainda vive, produzindo reação e emoção nas pessoas. E não é esse o objetivo da arte? The dream is not over!