quarta-feira, 21 de julho de 2010

China

Nem eu mesma acreditei que estava ali, do outro lado do mundo, e no outro mundo, porque era assim que me sentia. Obviamente não era apenas porque não entendia uma única palavra que escutava ou porque voltei a ser completamente analfabeta. Não... Havia também um quê de surreal nesta viagem. Eu nunca me interessei pela China, nem mesmo quando todas as evidências de que esse era um país fantástico estava bem diante do meu nariz. No final da década de 80, quando a China estava despontando para as “vantagens” do mundo globalizado, eu estava muito preocupada, vivendo o meu próprio conflito global. Eu também era um ser misterioso, inexplorado, reservado e que achava que ninguém reconhecia o meu potencial, como, aliás, acontece com todos os adolescentes. Mas um dia eles crescem, aparecem, mostram que muito do que ouviram finalmente está sendo colocado em prática, juntam o aprendizado com a vontade e a capacidade de realização, e resumindo, tornam-se adultos! Bom, assim foi com a China. Ela cresceu! E muito, ressalte-se. E eu estava lá curtindo o privilégio de ver os conflitos da maturidade desta segunda potência mundial. E põe conflito aí! Afinal, não poderia ser diferente, já que lá é tudo mais, mais, mais... O maior produtor de alimentos, de calçados, tecidos, o mais rico, o mais poluído, o mais confuso, igual, desigual, o mais dominado, dominante... Uma mega indústria em forma de nação! Tudo é produção. Produzir, construir, gerar, criar, copiar, vender, importar, exportar, aprender, saber, fazer... Ao mesmo tempo sorrir, esperar, viver! É difícil às vezes ver um lado mais humano quando temos a impressão de que as pessoas confundem-se com as máquinas: controladas, reguladas, prevenidas, orientadas, não podem falhar, e “literalmente” parecem todas iguais. Na terra onde inventou-se o papel, eu não consigo preenchê-lo. Faltam-me palavras para descrever se estou alegre ou triste. Triste porque sinto falta do meu mundo (aquele que me parecia mais mundo) ou alegre porque partilho do que sempre me venderam como a sabedoria milenar chinesa. Porque apesar de eu fazer uma dura comparação do povo com as máquinas (tempos modernos!), eu consigo enxergar diferentes emoções, eu consigo ver paz interior e plenitude nos olhares. Eu consigo ver, embora não entenda, pois não fui acostumada a contemplar esse "otimismo" que me cerca. Muitos dizem que a revolução aqui está por vir. Que há miséria nos campos e que eles vão destruir os seus recursos naturais, que os pólos produtores estão saturados, que a imposição sobre a natalidade e as facetas convenientes comunistas vão gerar a revolta popular, que isso, que aquilo, blá, blá, blá, não sei... Não enxergo essa revolta latente! Nem poderia, não tenho entendimento e nem permissão para isso. Mas eu acho que deve haver o contentamento com o simples e necessário, com o imposto (no sentido de lei, não aquele que é o mesmo que roubo no Brasil). Eu acho que pode haver a resignação. Ou nem seria isto. Afinal, o poder lá é abertamente ditatorial e provê mais do que o nosso, que é mentirosamente democrático e nada provedor. Eles não vivem numa mentira como nós, ou pelo menos, a mentira não é tão deslavada. É óbvio que a imprensa é censurada e coagida e as pessoas devem permanecer caladas. Por que raios não conseguia acessar meu blog em Shangai??? Mas talvez haja o equilíbrio, e eu acho que...Bom, eu acho que, como dizem os Strokes, SOMA é o que eles tomam. Huxley já devia saber. Na verdade, eu acho que este país está dando um cacete nos outros e é o único que tem a chance real de ser a nova grande potência mundial simplesmente porque pensa e investe em educação mais e mais, para pensar mais e mais (embora o seu pensamento raramente possa ganhar asas). É um país que planeja, assim como todos os outros bem sucedidos, e totalmente diferente do nosso, infelizmente. É um país que tem direcionamentos, embora muitos deles sejam questionávies do ponto de vista moderno e ocidental. O Brasil nunca soube o que é planejamento, e essa cultura se estende para a maioria dos brasileiros. Lamentavelmente talvez as olimpíadas e a Copa no Brasil deixem isso mais claro. Temo que sim e espero que não, mesmo sabendo que as eleições não vão mudar absolutamente nada. Mas é uma pena! Nossa energia é única, nosso céu ainda é azul e o sol ainda brilha. Eu acho que lá é tudo mormo como as bebidas. O café não é quente e coca não é gelada...Exceto o chá. Eu não agüento mais chá, só o chá é perfeito. E se diz chá em chinês como em português, realmente o chá é perfeito até pra pedir. Mas eu odeio chá... As outras palavras são tão difíceis para se dizer em chinês. A única coisa que eu sei é que deve haver certas palavras que são inexistentes no léxico chinês, como por exemplo: por favor, com licença... São expressões que realmente não são usadas, e se são, muito raramente. Eles podiam pegar emprestados do inglês, aquele sempre falso “sorry” e o eficiente “excuse me, please”, mas não...Acho que é bem mais fácil sair esbarrando nas pessoas sem nem olhar na cara e falar gritando como se toda conversa fosse uma discussão. Pra quê cumprimentar os outros, né? Dá muito trabalho, eles têm muita pressa. E sabe, há um tipo de educação que não se aprende na escola... Certas peculiaridades chinesas não fazem falta!