sexta-feira, 17 de julho de 2009


Eu realmente gostaria de deixar minhas opiniões sobre esta maravilhosa viagem no tempo que é este livro. Tempos que pouco vivi e outros que muitas vezes desejei ter vivido.
Na verdade, por mais que quatrocentas e poucas páginas sejam aparentemente ridículas para contar estórias dos momentos mais marcantes da nossa música, em sua maioria elas são precisas e recheadas com uma prosa fluida e gostosa que vale cada parágrafo. Eu poderia dizer muito mais, ressaltar o meu desejo por mais esclarecimentos, mais segredos, confidências, detalhes das obras e de artistas que alimentaram e alimentam minha alma com músicas inebriantes e letras comoventes. Mas pesquisando algumas informações sobre este livro acabei por encontrar algo tão estranho que não tenho como não postar. Eis aqui um comentário que é EXATAMENTE a minha opinião, sem tirar nem por. Quer dizer, exceto a parte do amigo que falou que Nelson Mota era oportunista e paspalho. Felizmente eu não tenho nenhum, ia sugerir que ele postasse comentários mais construtivos e embasados. Infelizmente eu não tenho nenhum, meus amigos ultimamente não lêem nada que preste e se lêem, só Deus sabe...

Uma Aula Sobre Cultura Pop
por Marcelo Silva Costa

Um amigo, numa resenha, escreveu que Nelson Motta era oportunista, um paspalho. Outro amigo, numa mesa de bar, me explicou que o problema de Nelson Motta era passar uma imagem de agitador e ser exatamente o contrário, um acomodado. Eu, pessoalmente, não tenho opinião formada sobre a pessoa Nelson Motta. Apenas o conhecia de algumas letras legais em parceria com Lulu Santos e do chatíssimo programa Manhattan Connection. Mesmo assim fui, cético, ler seu livro "Noites Tropicais"... e chapei.
"Noites Tropicais" funciona como uma quase biografia do autor, que conta suas memórias musicais, vividas como jornalista, produtor, compositor, diretor artístico, crítico musical, entre outras funções. Funciona melhor ainda como um diário de turma. Imagine-se contando a história da sua turma, os acontecimentos engraçados, fatos inusitados. O diferencial é que a turma de Nelson Motta tinha personagens com Vinícius de Moraes, João Gilberto, Roberto Carlos, Elis Regina, Rita Lee, e o grande Tim Maia (responsável pelos melhores trechos), além de muitos, mas muitos outros.
É lógico que apenas bons personagens não rendem um bom livro. Se não houver, entre eles, uma ligação, uma história, poderia ser uma bobagem. Mas "Noites Tropicais" não é. A força do livro se concentra, claro, na histórias da bossa nova, em seu confrontamento com a jovem guarda, e nos festivais, febre da nascente indústria da televisão no Brasil.
Na verdade, funciona melhor ainda como um diário dos anos de ditadura. E ganha pontos com isso, ao relacionar música com política. Porque é impossível distanciar algo cultural (seja livro, seja cinema, seja música) do ambiente em que ele foi gerado. Com isso, percebemos que a MPB foi, sim, um retrato inteligente dos anos difíceis pós AI5 e que o breganejo, o axé e o pagode, são o retrato perfeito do Brasil 2000, um país chafurdando em sua própria miséria cultural, e se divertindo com isso. Já foi diferente, e é esse o grande mérito de "Noites Tropicais". Trazer em seu conteúdo, para quem tem menos de 30 anos, histórias já contadas por muita gente, em vários lugares, mas nunca registradas em papel. Sendo assim, podemos perceber o valor de um Chico Buarque, hoje afastado da mídia. Apenas o episódio "Julinho da Adelaide" é tão importante para a música brasileira quanto o Sex Pistols tocando às margens do Tamisa, no Jubileu da Rainha, em 1977, para a música inglesa.
Fora isso, o livro ainda é divertidíssimo. E Tim Maia é personagem central de várias das passagens antológicas do livro. Numa dessas, depois do grande sucesso de "Primavera", que vendeu milhares de discos, Tim foi para Londres e se
esbaldou com tudo (drogas, bebidas, brigas) e voltou com 200 doses de LSD para distribuir aos amigos. Nelson conta que assim que chegou a Philips (sua gravadora), Tim visitou diversos departamentos, começando pelos mais caretas, como a contabilidade e o jurídico, e repetia, sempre o mesmo discurso ao funcionário da repartição: "Isto aqui é um LSD, que vai abrir sua cabeça, melhorar a sua vida, fazer de você uma pessoa feliz. É muito simples: não tem contra-indicações, não provoca dependência e só faz bem. Toma-se assim". Nelson diz que após isso, Tim jogava um ácido na boca e deixava outro na mesa do funcionário (imagina a cara de babaca do cara). Como era o sucesso da gravadora, todo mundo achava graça. E até o presidente da companhia ganhou a sua dose. É mole?
É claro que o livro comete alguns erros, afinal é a versão de uma pessoa sobre a vida de muitas outras. Principalmente quando o assunto é o rock nacional anos 80. Mas é necessário observar que Nelson tinha mesmo que contar a história da
sua turma, da turma dele. O rock nacional é outra turma, é a minha turma, e esse capítulo terá que ser contado por outro. Isso explica erros infantis como trocar uma palavra -importante - na letra de "Inútil" do Ultraje ou achar que o Ira! nunca esteve entre as grandes bandas dos anos 80. Mas é perdoável, afinal não podemos cobrar de um cara que quis aprender violão, para tocar bossa nova (com a sua turma), que ele venha tocar guitarra e sair com a galera dos anos 80 (a nossa).
Esses erros e acertos chamam-se História (com H maiúsculo e dourado, como diria Humberto Gessinger dos Engenheiros do Hawaii). E para aqueles, que como eu, acham que cultura pop devia (quem sabe um dia) ser estudada em escolas, "Noites Tropicais" é obrigatório. É muito mais interessante que física, química ou gramática (como aprovaria Renato Russo). É um retrato antigo de um país inteligente. Um tempo que dificilmente voltará. Um livro para roqueiros (como eu), sambistas, tropicalistas, rappers e sobretudo, um livro para a juventude. Era assim.

Marcelo, 29, é editor do fanzine de cultura pop Scream & Yell.

http://www.screamyell.com.br/literatura/tropicais.htm

Nenhum comentário: