domingo, 29 de julho de 2018

Passando o tempo (a limpo?)




A pessoa que escreve este blog é tão diferente daquela que o iniciou que chega a ser assustador o fato de que ambas tenham dividido o mesmo corpo. Bom, não necessariamente. O corpo, este sim, definitivamente não é o mesmo...rs Mas todos os “eus” que já o habitaram têm em comum a fascinação pela passagem dos anos, suas consequências e ficamos abismados com esta velocidade, percebendo que os primeiros textos desta página têm mais de uma década!!!!
Tantas músicas, poesias, e outras expressões artísticas já foram feitas inspiradas na mágica da passagem do tempo e tão poucos continuam tão impactados pelo seu poder. O tempo é inegavelmente um objeto de luxo. E pensar sobre ele talvez seja desestimulante porque temos consciência de ele nos atropela e nos ignora. É menos estressante não pensar. É o que penso ao mesmo tempo em que me estresso...
Mas estou tentando não apenas pensar e também me conectar mais com esta passagem. Tenho a impressão de que uma boa maneira de fazer isto é aproveitar os momentos de ócio sem culpa. Claro que existem diversas estratégias de otimizar o tempo, conciliar uma vida de tarefas múltiplas, definir prioridades, etc, etc...Mas e o tão necessário ócio? Pois é! Saio do óbvio e entendo que entre todas as estratégias de otimizar o tempo, o ócio é a que menos está sendo colocada neste balaio. 
Então volto pra cá e escrevo. Eu escrevo porque gosto, porque medito, porque me distraio, porque me divirto e, sobretudo, de verdade porque eu posso, assim como diversos macacos da minha espécie. Esta pinça mágica formada pelos nossos dedos é indiscutivelmente humana, e isso é fantástico! A escrita é um dom possibilitado por funções no nosso córtex cerebral da qual somente nós podemos usufruir. Ou seja, muitos macacos podem teclar em um smartphone e/ou assimilar algumas de suas funções, isto não é o que nos diferencia. Talvez eles possam tirar uma foto e postar em uma mídia social, não me surpreenderia. Mas, apesar de tudo o que nós ainda temos a aprender com os outros macacos, eu diria que neste ponto nós somos privilegiados. As conexões que nosso cérebro faz enquanto escrevemos e elaboramos um texto são incríveis e esta mágica de reproduzir ideias com tinta e papel (acessórios tão banais atualmente) nunca vai deixar de me fazer feliz e sentir que estou aproveitando bem o tempo enquanto a executo.
Ora, mas isto não seria então ócio criativo? Pode ser. Desde que seja ócio, desde que seja sem culpa. Desde que eu exercite os dedos e perceba que em cada novo texto eles estejam cada vez menos cansados e mais coordenados. Sentir que não estou perdendo esta habilidade me revigora, mesmo que depois eu queira transferir o texto para um computador e arquivá-lo.
Muito se fala sobre o fim da escrita e muitos acreditam que ela será inútil daqui a alguns anos.
Muito se fala sobre um novo tipo de aprendizado, que no futuro as novas gerações não terão necessidade e muito menos o hábito de ler tantos livros, que a comunicação será de uma forma totalmente diferente e os recursos de imagens é que serão fundamentais, as mídias sociais terão um papel bem mais relevante nas relações humanas.
E eu de fato pensei bastante a respeito, sem preconceitos, sem uma visão unilateral ao mesmo tempo em que tento me inserir nesta nova ordem mundial. Como disse antes, temos muito a aprender com os macacos, especialmente alguns comportamentos de sociabilidade. Mas quando eu penso num futuro sem escrita e sem leitura, na minha mente vem apenas aquela famosa gravura da involução humana. Eu não acredito que apenas a nossa coluna tende a atrofiar, eu acredito que o nosso cérebro tende a diminuir. E enquanto padeço desta descrença na evolução do aprendizado sem estas velhas ferramentas, eu quero utilizá-las como se não houvesse amanhã.

Estive em um médico endocrinologista esta semana e ele me comentou que quando se formou tinha uma impressão sobre o futuro que era a mesma que eu tinha quando era criança na década de 80: que as pessoas se alimentariam somente de pílulas e cápsulas, alimentos congelados, reidratados, nutrientes condensados e a comida de verdade praticamente não seria mais necessária. Essa era realmente a nossa visão de mundo influenciada por filmes de ficção, aparecimento de diversos complexos vitamínicos milagrosos, astronautas visitando outros planetas e a velha falta de tempo para cozinhar em meio à nova rotina que estava surgindo.
Mais de trinta anos depois, com o tempo ainda mais escasso, o que vemos é algo totalmente diferente, as pessoas cada vez mais buscando a alimentação parecida com a dos nossos avós, alimentos orgânicos, menos uso de micro-ondas e de ingredientes processados. Hoje os grandes nomes da gastronomia convidam a população a voltar para suas casas e cozinharem o seu próprio alimento, de forma cada vez mais natural. Isto é involução? Quando olhamos para o mundo cada vez mais obeso de um lado e desnutrido de outro, temos a certeza que não.
E eu quero continuar lendo os meus romances (sim, diferente de crônicas e contos, aqueles textos mais longos, detalhistas e complexos dos quais os ansiosos fogem como o diabo da cruz) e usando minhas canetas por muitos e muitos anos, os que restam, no mísero espaço de tempo disponível que eu puder dispor. Espero conseguir. Esta folha foi sem culpa.

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